sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Últimas gotas

Sentada em cima dele, ela começou a falar. Agradecia os dias de felicidade vividos naquele último mês, talvez um dos mais motivadores de sua vida. Ele a ouvia, entendia que, ali, despida, ela se despedia.

Não demorou muito e logo as lágrimas misturaram-se ao suor do desejo vivido há poucos minutos. Uma montanha russa de emoções. Quão doloroso era ter que fazer o certo se era o errado que os fazia felizes. E que dor era aquela que só perdia para a vontade de urinar que acomete os que bebem chopp.

Desabafaram. Ela bem mais. Contou o que pensou durante aquele mês de outubro, assumiu as tentativas de não se apegar e de afastá-lo. Ele ora ria, ora a ouvia. Ele sempre gostou de ouvir mesmo o que ela falava, um misto de identificação e admiração. Um misto recíproco.

Não haviam programado a separação, aquela hora os encontrou. Igualmente como a hora de se unirem os havia achado no mês anterior. Já haviam tentado se separar programadamente, não conseguiram. Não quiseram. Prolongaram a permanência juntos como quem bebe um copo de água até a última gota. E eles tinham muita sede.

Ela declarou-se. Assumiu tudo que veio a sentir, das maiores alegrias a qualquer decepção boba. Nunca havia se sentido a outra. E mesmo que a vontade dela fosse vê-lo amanhã dizendo o quanto ainda a queria, suas palavras pediam distância. Seu coração gritava com todas as forças o contrário do que dizia sua boca, mas as mordaças da razão imperavam sobre o discurso.

Ele derramava lágrimas silenciosas. Havia adotado o silêncio como postura para aquela noite, pensou ser o melhor, acreditava que era o que menos a machucaria, parte do zelo excessivo que teve durante toda a relação. Ainda disse um "também gosto de você" meio sufocado, meio engasgado, com o olhar desviado. E seu abraço a apertava com a força daqueles abraços que conhecem o último dia. E as lágrimas ainda rolavam...

Relaxaram, chegaram quase transar novamente, mas não estavam tão relaxados a ponto. Fizeram as últimas coisas que haviam programado, fizeram xixi na rua antes. Leram Rubem Braga. Riram, falaram de romances passados. Cantaram Titãs. Ela lhe mostrou a lua e dentre tantas coisas que fizeram por terem assumido sempre a postura do "agora?" perceberam que ainda tinham tanto a fazer, que tudo foi pouco e que a ampulheta não poderia mais virar a favor daquele sentimento.

Era difícil para ela levantar e entrar em casa, mesmo que fosse só uns passos, a distância era muito grande. A madrugada havia se extendido e o amanhã surgiria com o trabalho consumindo-os logo nos primeiros raios de sol. Eram as últimas gotas de água de um copo insuficiente para matar a sede. Bebeu-as. Fingiu aborrecer-se por qualquer coisa. Beijo-o. Disse Adeus.

Saiu do carro procurando se não havia esquecido nada. Já não o olhou mais. Ainda teria que vê-lo amanhã como se nada tivesse acontecido, acasos da rotina de trabalho. Abriu o portão de sua casa e, diferentemente das últimas vezes, não olhou pra trás, como quem quisesse mostrar segurança na decisão de deixá-lo. Talvez segurança mais para si mesma e do que para ele.

Chegou em casa e se viu ao espelho. Orgulhou-se, chorou, sofreu. Desejou felicidade ao casamento dele, desejou felicidade a si mesma. Chorou novamente. Enxugou as lágrimas e pensou no amanhã que viria a poucas horas. Olhou-se novamente. Concluiu:

- Preciso emagrecer.

Aline Postigo

2 comentários:

  1. se precisa emagrecer.. eu preciso fazer escova no cabelo

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  2. Preciso emagrecer sim...
    Mas precisava era me amar e hoje faço isso.. Logo, independente dos quilos a mais, eu me amo! sempre!!!

    bjossss

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Agora que você sabe o que eu penso, que tal me dizer o que você pensa sobre isso. =)